Recentemente, muito se tem falado sobre a redução dos juros promovida pelo governo federal. Parafraseando um certo ex-presidente... – ‘Nunca se viu na história desse país’, tanta gente, de classes sociais diversas, enaltecendo e comemorando a condução de assuntos econômicos, como nesse caso.
Méritos à parte, eu gostaria de provocar a reflexão a cerca dos reais benefícios trazidos por essa medida e sua solução prática para os dilemas econômicos atuais:
Minha primeira questão é: Quem são os reais beneficiários dessa medida? Resposta: o consumidor. Justamente aquele que já vinha comprando em mais de 70 meses e depois veio a ser restringido a comprar em no máximo 48 meses e, nem por isso, deixou de gastar. Esse consumidor emergiu das classes inferiores da sociedade e adquiriu TV, geladeira, computador, casa, carro e se endividou, endividou e endividou.
Uma mostra disso está na troca de farpas entre o ministro Mantega e a Febraban em que aquela usou a seguinte metáfora por meio do seu economista-chefe: "Alguém já disse que 'você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não conseguirá obrigá-lo a beber água!’? ”. Isso fora dito para explicar porque as famílias não impulsionaram o crédito na economia.
Talvez ainda haja o que comemorar, alguns podem pensar: se há dinheiro sobrando, há espaço para mais redução de juros. E a minha segunda pergunta é: Para quê reduzir mais juros?
A minha percepção é que a discussão sobre os juros praticados no Brasil (que já é dos menores vistos por aqui) está tirando do foco a real problemática econômica atual que é a administração financeira pelos seus entes sociais. Percebo que há um câncer de grandes proporções na cultura da sociedade brasileira, levada pelo pensamento de que podemos resolver todos os problemas financeiros simplesmente parcelando os pagamentos. Eu chamo isso de “síndrome das Casas Bahia”.
Note-se que os nossos governos nas suas esferas federal, estadual e municipal gastaram, por muitos anos, mais do que arrecadavam gerando déficits sobre déficits, o que veio a esbarrar na, ainda recente, Lei de Responsabilidade Fiscal. Com o desenvolvimento comprometido, os nossos governantes buscaram no aumento da arrecadação a solução dos seus problemas, pouco fazendo para combater o mau uso dos recursos.
As famílias, como já mencionamos, estão endividadas e têm sua renda futura bastante comprometida.
Por outro lado, a classe empresária, que tenho acompanhado de perto, ao longo da minha carreira como contador, não fez diferente. Em especial os pequenos e médios empresários, de quem pouco se é exigido em matéria de gestão financeira. Com toda evolução tecnológica reproduzida em equipamentos e sistemas de informação, infelizmente, ainda é muito comum ouvir empresários dizendo que não sabem quanto é o lucro real de suas empresas. Alguns até sabem qual o seu faturamento médio mensal e o percentual médio ‘esperado’ de retorno, mas não sabem dizer se o estão alcançando e o pior: se este retorno será atingido nos próximos meses.
Como disse, há um problema instaurado em nossa cultura em que, tendo como pagar (ainda que parcelado), toca-se adiante. Quando se identifica o que está errado, toda uma expectativa futura já foi usurpada.
Embora haja, de fato, o que comemorar em relação à redução dos juros, a solução para os problemas econômicos encontrados em nossa sociedade está em como lidamos com o dinheiro. A solução passa pela compreensão dos diversos fatores que afetam as decisões de ordem financeira e o seu planejamento responsável. Enquanto olharmos para os juros e as parcelas, continuaremos a negligenciar o tratamento da doença até o dia em que esta levar para o hospital o doente.
Flavio O. Santiago
Consultor Financeiro e Controller
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